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Refugiados no Brasil

​Fugindo de guerras, perseguições e crises socioeconômicas, milhares de refugiados tentam reconstruir suas vidas em outros países. Conheça a história de venezuelanos, sírios, poloneses e outras nacionalidades que buscaram abrigo em terras brasileiras.

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O imigrante congolês Moïse Mugenyi Kabagambe foi barbaramente assassinado em janeiro, na Barra da Tijuca (RJ). O episódio, que evidenciou o preconceito no Brasil, trouxe à tona a situação dos refugiados no território brasileiro. A República Democrática do Congo é a terceira maior nacionalidade de refugiados no país, apenas atrás dos sírios e venezuelanos, estes maioria absoluta. Pessoas de mais de 70 países buscam melhores condições de vida no Brasil, que em seis anos reconheceu mais de 53 mil solicitações de refúgio.

 

 Os dados são do CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão que delibera sobre o reconhecimento da condição de refugiado no Brasil. Segundo o comitê, as solicitações são deferidas se o indivíduo se encaixa na seguinte definição: “devido a fundado temor de perseguição, por motivo de raça, nacionalidade, religião, pertencimento a grupo social específico ou opiniões políticas, e não não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país”. A população de refugiados no Brasil aumentou significativamente nos últimos anos. Entre 2011 e 2018, 6,3 mil pessoas foram acolhidas, e entre 2019 e 2020 o país recebeu 46,8 mil indivíduos. Muitos enfrentam dificuldades para estabelecer-se, pois além dos possíveis traumas que carregam, encaram situações de xenofobia e intolerância.

 

O Brasil tem a tradição de receber imigrantes e refugiados ao longo dos últimos séculos, como alemães, russos, sírios, entre outras nacionalidades, que impulsionados por crises socioeconômicas e conflitos geopolíticos deixam seus países em busca de uma vida melhor.

 

Os refugiados mais recentes vêm da Ucrânia, fugindo dos horrores da guerra, assim como os milhares de poloneses que vieram para o Brasil no século passado durante a invasão nazista. Em busca de novas oportunidades, os venezuelanos, congoleses e sírios trazem peculiaridades culturais e culinárias de muito sucesso entre os brasileiros.

Guerra na Síria: conflito sem fim

 

Em 2011, levantes pacíficos pró-democráticos sacudiram o Oriente Médio, no que ficou conhecido como Primavera Árabe. A resposta violenta do governo desencadeou em uma devastadora guerra civil. Na Síria, mais de 500 mil civis morreram e cerca de 6 milhões buscaram refúgio em outros países. Entre eles está o empreendedor Shadi Khoury.

Hoje com 25 anos, ele tinha apenas 18 quando teve que abandonar o seu país, onde cursava eletrônica na faculdade, para escapar das consequências da guerra. Após um ano no Brasil, destino de outros quase 4 mil sírios, Shadi abriu, em Botafogo, a Tenda do Sírio, onde vende quibes, esfihas e outros salgados árabes.

  

O negócio, que garante grande parte de sua renda - o resto fica por conta da Aljaddan, loja online de pratos típicos - sofreu prejuízo nas vendas, em decorrência da pandemia: “Antes eu vendia 500 por dia, agora saem no máximo 200”, conta.

  

A concorrência também é um obstáculo. Muitos sírios que vieram para o Brasil, para estabelecer-se dignamente, tiveram a mesma ideia de Shadi. Mas a maioria dos refugiados  que foram para os países vizinhos à Síria vivem em péssimas condições. De acordo com dados do ACNUR, nove em cada dez refugiados no Líbano, em 2021, viviam em extrema pobreza. 

Sobreviver é uma luta diária para os sírios. Assim como é para os ucranianos, que há mais de noventa dias tiveram sua nação declarada guerra contra a Rússia. 

Ucrânia: 3 meses de guerra contam com mortes de civis e milhões de refugiados 

 

“Reduzida a cinzas”. Foi com essa declaração que Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, referiu-se à devastada cidade de Mariupol. Desde que o presidente russo Vladimir Putin iniciou a invasão à Ucrânia, o país segue tendo seu território arrasado e contabiliza milhares de mortes. Para escapar do terror do conflito, mais de 6 milhões de ucranianos buscaram refúgio em outros países, inclusive no Brasil.

 

A família do artista plástico Volodymyr Borodin, 50, está entre os mais de 1.100  refugiados ucranianos em solo brasileiro. Ele deixou a cidade de Kiev, onde morava, e com sua esposa e filho, de 3 anos, enfrentou uma viagem de trem de mais de 14 horas, com temperaturas abaixo de 0°C. O destino era Varsóvia, de onde pegaram um avião que aterrissou em Recife.

 

Em 20 de março, os primeiros refugiados desembarcaram no Brasil. O grupo, composto na maioria por mulheres e crianças, foi transferido para Prudentópolis, município curitibano com a maior comunidade ucraniana no Brasil. Desde que entrou em vigor, no início do ano, a portaria conjunta entre Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e Ministério das Relações Exteriores (MRE) facilitou a concessão de certas autorizações aos refugiados. Foram concedidos aos ucranianos, durante o mês de março, 27 permissões de residência humanitária e 74 vistos. 

A Ucrânia é a segunda maior nacionalidade eslava no Brasil, atrás apenas da Polônia. Atualmente, estima-se que haja mais de 1,5 milhão de descendentes de poloneses no país.

 

 Da Polônia ao Brasil: os deslocados de guerra

 

O Brasil não é um destino recente de refugiados. Nos séculos XIX e XX, os poloneses foram responsáveis por um intenso movimento migratório. Na época da Segunda Guerra Mundial, em uma Europa assombrada pelo nazismo e antissemitismo, milhares de judeus deixaram seus países buscando sobreviver. Às vésperas do conflito, cerca de 8 mil refugiados poloneses aportaram no Brasil, instalando-se principalmente nas cidades do Rio e São Paulo.

 

A cidade de Varsóvia foi consagrada como a capital mais destruída da 2º Guerra. Encurralados no gueto e vivendo em condições desumanas, mais de 83 mil pessoas morreram de doenças e inanição, entre 1940 e 1942, de acordo com a Enciclopédia do Holocausto. No último ano do conflito, a Polônia estava completamente devastada, e quase 18% da população polonesa foi morta durante a invasão da Alemanha nazista. Grande parte dos sobreviventes são judeus que conseguiram sair do país a tempo, como os parentes de Bruna Kac Diamand, 20. 

 

Seus oito bisavós refugiaram-se no Brasil, a maioria no Rio, e foram residir no Centro, Copacabana e Tijuca. Assim como os milhares de poloneses que desembarcaram no país na mesma época, recém-chegados em um lugar novo, de malas nas mãos e com o peso de uma grande tragédia nas costas. Szyja Chaim, seu bisavô paterno, não gostava de rememorar a vida na Polônia. Como único sobrevivente da família, lembrar de seus dois irmãos, mortos ainda jovens em um campo de concentração, abria feridas que ele preferia esquecer: “Ele se despediu da família numa estação de trem sabendo que não os veria de novo”.

 

O intenso fluxo migratório polonês foi acompanhado por uma onda de xenofobia. As próximas massas de imigrantes das mais diversas nacionalidades que vieram para o Brasil também passaram por situações preconceituosas: “Cheguei a não falar para não sofrer preconceito”, afirma a venezuelana Adriana Blanco.

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Venezuelanos são maioria nas solicitações de refúgio no Brasil

 

Durante certo tempo do governo de Hugo Chávez (1999 a 2013), parecia que bons ventos tinham chegado à Venezuela. A população observou um amplo processo de distribuição de renda, uma redução no número de pessoas pobres e um aumento do Produto Interno Bruto (PIB). Contudo, algumas ações contribuíram para o enfraquecimento da democracia no país, como a perseguição de opositores do governo e reformas na Constituição para que Chávez continuasse no poder. Com a morte do presidente, em 2013, Nicolás Maduro assumiu o cargo e o chão venezuelano, que antes tremia, começou a ruir. 

 

No ano seguinte à eleição de Maduro, ocorreu a desvalorização do petróleo. A Venezuela, que tem o petróleo como principal fonte de riqueza desde o século XX, sofreu um enorme abalo na economia. Junto a isso, as estatizações em massa feitas durante o governo de Chávez, a crise de abastecimento e as sanções impostas pelos Estados Unidos levaram à pior crise da história do país. E ao maior fluxo migratório de venezuelanos para o Brasil: em cinco anos, mais de 700 mil refugiados entraram em solo brasileiro.

 

Em 2016, Adriana Blanco, 53, veio para o Brasil realizar uma cirurgia, impossível na Venezuela por conta dos altos custos. No mesmo ano, foi decretado em seu país o “holocausto da saúde”, estado de emergência e crise humanitária. Ela decidiu entrar com pedido de refúgio e hoje vive no Espírito Santo com a família. Mesmo após sete anos no país, ela ainda enfrenta dificuldades de inclusão, financeiras e de validar seu diploma de professora: “A realidade às vezes é difícil."

 

De acordo com a assistente social da Cáritas, Karla Ellwein, 38, por conta da dificuldade da validação de seus diplomas universitários, os refugiados não conseguem trabalhar na sua área de formação:“Isso leva essas pessoas a trabalharem somente como mão de obra não especializada em atividades informais do terceiro setor ou em situações de insalubridade.” Em 2020, uma pesquisa feita pela Repórter Brasil revelou que 93,1% das mulheres resgatadas de trabalhos análogos à escravidão em São Paulo eram imigrantes.

 

Revalidar o diploma no Brasil é difícil, não impossível. A jornalista venezuelana Elvimar Yamarthee, 26, conseguiu após um processo demorado. Ela saiu da Venezuela em 2019, depois de passar por situações insustentáveis, como os frequentes protestos violentos e o apagão de um mês em Maracaibo, onde morava com a família:“Quando passei pela fronteira, nunca senti tanta paz. Foi como se finalmente pudesse respirar”, afirma.

 

Desde 2016, quase 50 mil venezuelanos foram reconhecidos como refugiados no Brasil, de acordo com dados do CONARE. Na Cáritas, onde são maioria, os imigrantes da Venezuela são responsáveis por mais de 50% das solicitações de refúgio.


Os muitos obstáculos enfrentados pelos refugiados fragilizam a esperança de uma vida melhor. Contudo, o apoio oferecido pelas mais de 60 instituições parceiras do ACNUR no Brasil permite ver uma luz no fim do túnel. De acordo com dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com o OBMigra (Observatório de Migrações Internacionais), há mais de 60.000 refugiados de 114 nacionalidades apoiados por organizações como Cáritas, ADUS (Instituto de Reintegração de Refugiados) e Missão Paz, onde buscam um recomeço e um lugar para chamar de lar.

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